História da Cachaça
Aqueles que se ligam à cachaça de uma forma ou de outra, por fabricá-la, por vendê-la ou por bebê-la, já devem ter ouvido esta história :
“Nosso Senhor Jesus Cristo, quando caminhava por uma estrada, morrendo de sede, debaixo de um sol causticante, avistou um canavial. Protegendo-se do sol entre sua folhagem, refrescou-se do calor. Depois de descascar uma cana, chupou alguns gomos, saciando sua sede. Ao ir embora, para seguir viagem, estendeu suas mãos por sobre o canavial, abençoando-o desejando que das canas o homem haveria de tê-las sempre boas e doces.
Em um outro dia, o diabo, passando pela mesma estrada, foi dar no mesmo canavial. Ali parando, resolveu refrescar-se. Cortou um pedaço da cana e começou a chupar um gomo, mas seu caldo estava azedo, e quando por ele foi engolido, desceu garganta abaixo queimando-lhe as ventas. Irritado, o diabo prometeu que da cana o homem tiraria uma bebida tão forte e ardente quanto as caldeiras do inferno”.
“Daí surge o açúcar abençoado por Nosso Senhor e a cachaça amaldiçoada pelo diabo".
Origens da Cachaça
A cana-de-açúcar, elemento básico para a obtenção, através da fermentação, de vários tipos de álcool, entre eles o etílico, é uma planta pertencente à família das gramíneas (Saccharum officinarum) originária da Ásia, onde teve registrado seu cultivo desde os tempos mais remotos da História.
Os primeiros relatos sobre a fermentação vem dos egípcios antigos. Curavam várias moléstias, inalando vapor de líquidos aromatizados e fermentados, absorvido diretamente do bico de uma chaleira, num ambiente fechado.
Os gregos registram o processo de obtenção da ácqua ardens, a água que pega fogo - água ardente (Al Kuhu).
A água ardente vai para as mãos dos Alquimistas que atribuem a ela propriedades místico-medicinais. Se transforma em água da vida. A Eau de Vie é receitada como elixir da longevidade. A aguardente então da Europa vai para o Oriente Médio, pela força da expansão do Império Romano. São os árabes que descobrem os equipamentos para a destilação, semelhantes aos que conhecemos hoje. Eles não usam a palavra Al kuhu e sim Al raga, originando o nome da mais popular aguardente da Península Sul da Ásia: Arak. Uma aguardente misturada com licores de anis e degustada com água.
A tecnologia de produção espalha-se pelo Velho e Novo Mundo. Na Itália, o destilado de uva fica conhecido como Grappa. Em terras Germânicas, se destila a partir da cereja, o kirsch. Na Escócia fica popular o Whisky, destilado da cevada sacarificada. No Extremo Oriente, a aguardente serve para esquentar o frio das populações que não fabricam o Vinho de Uva. Na Rússia a Vodka, de centeio. Na China e Japão, o Sakê, de arroz.
Portugal também absorve a tecnologia dos árabes e destila a partir do bagaço de uva, a Bagaceira.Os portugueses, motivados pelas conquistas espanholas no Novo Mundo, lançam-se ao mar. Na vontade de exploração e na tentativa de tomar posse das terras descobertas no lado oeste do Tratado de Tordesilhas, Portugal traz ao Brasil a Cana de Açúcar, vinda do sul da Ásia. Assim surgem na nova colônia portuguesa, os primeiros núcleos de povoamento e agricultura.
Os primeiros colonizadores que vieram para o Brasil, apreciavam a Bagaceira Portuguesa e o Vinho do Porto. Assim como a alimentação, toda a bebida era trazida da Corte. Num engenho da Capitania de São Vicente, entre 1532 e 1548, descobrem o vinho de cana-de-açúcar - Garapa Azeda, que fica ao relento em cochos de madeiras para os animais, vinda dos tachos de rapadura. É uma bebida limpa, em comparação com o Cauim - vinho produzido pelos índios, no qual todos cospem num enorme caldeirão de barro para ajudar na fermentação do milho, acredita-se. Os senhores de engenho passam a servir o tal caldo, denominado Cagaça, para os escravos. Daí é um pulo para destilar a Cagaça, nascendo aí a Cachaça.
Dos meados do século XVI até metade do século XVII as "casas de cozer méis", como está registrado, se multiplicam nos engenhos. A Cachaça torna-se moeda corrente para compra de escravos na África. Alguns engenhos passam a dividir a atenção entre o açúcar e a Cachaça. A descoberta de ouro nas Minas Gerais, traz uma grande população, vinda de todos os cantos do país, que constrói cidades sobre as montanhas frias da Serra do Espinhaço. A Cachaça ameniza a temperatura.
Incomodada com a queda do comércio da Bagaceira e do vinho portugueses na colônia e alegando que a bebida brasileira prejudica a retirada do ouro das minas, a Corte proíbe várias vezes a produção, comercialização e até o consumo da Cachaça.
Sem resultados, a Metrópole portuguesa resolve taxar o destilado. Em 1756, a aguardente de cana-de-açúcar foi um dos gêneros que mais contribuíram com impostos voltados para a reconstrução de Lisboa, abatida por um grande terremoto em 1755. Para a Cachaça são criados vários impostos conhecidos como subsídios, como o literário, para manter as faculdades da Corte.
Como símbolo dos ideais de Liberdade, a Cachaça percorre as bocas dos Inconfidentes e da população que apoia a Conjuração Mineira. A Aguardente da Terra se transforma no símbolo de resistência à dominação portuguesa.
Com o passar dos tempos melhoram-se as técnicas de produção. A Cachaça é apreciada por todos. É consumida em banquetes palacianos e misturada ao gengibre e outros ingredientes, nas festas religiosas portuguesas - o famoso Quentão.
No século passado instala-se, com a economia cafeeira, a abolição da escravatura e o início da República, um grande e largo preconceito a tudo que fosse relativo ao Brasil. A moda é européia e a cachaça é deixada um pouco de lado.
Em 1922, a semana da Arte Moderna, vem resgatar a Brasilidade. No decorrer do nosso século, o samba é resgatado. Vira o carnaval. Nestas últimas décadas a feijoada é valorizada como comida brasileira especial e a Cachaça ainda tenta desfazer preconceitos e continuar no caminho da apuração de sua qualidade.
Hoje, várias marcas de alta qualidade figuram no comércio nacional e internacional e estão presentes nos melhores restaurantes e adegas residenciais do Brasil e do mundo.
Curiosidades
Existem colecionadores que se dedicam a colecionar rótulos de cachaça (Mário Souto Maior, autor do livro "Cachaça" e um seu amigo, são possuidores de belíssimas coleções, assim como o advogado Eurico Viveiro de Castro, morador na cidade do Rio de Janeiro.
- A Faculdade de Agronomia Luiz Queiroz, na cidade de Piracicaba, tem exposto em um de seus prédios, para quem quiser ver, uma "pingoteca", com uma fabulosa coleção de garrafas de cachaça. Seu acervo é para mais de 2.000 exemplares, e as marcas ali expostas têm no mínimo 20 anos.
- Existe também, no Museu do Homem Nordestino, em Recife, uma grande coleção de rótulos que pertenceram ao grande músico, crítico e folclorista "Almirante".
- Estima-se que existam mais de 5 mil marcas de cachaça e 30 mil produtores em todo país, gerando aproximadamente 400 mil empregos diretos e indiretos.
- Cachaça Artesanal e Industrial, você sabe as diferenças? - Muito se fala sobre as diferenças entre as cachaças brancas industrializadas, produzidas em colunas e as de alambique, por muitos chamada de cachaça de qualidade. Mas quais são realmente as diferenças?
- Cachaça agora é marca nacional - O decreto publicado no D.O traz as especificidades da bebida e define o que é caipirinha
- Branquinhas - Fabricadas em Minas Gerais ou em outros Estados, branquinhas, amareladas, envelhecidas em tonéis de carvalho ou alumínio. A cachaça, nos nossos sertões, é mezinha para males físicos e mesmo morais: há contrariedade? toma-se um gole e tudo desaparecerá; reina alegria? saúda-se esta alegria com uma bicada; dói o dente? bochecha-se cachaça e a dor some; há falta de apetite? tome-se um aperitivo de cachaça e a fome volta voraz; falta coragem para resolver um negócio sério? uma lambada forte de cachaça, torna-se corajoso; falta-lhe disposição de falar em público? uma chamada boa de cachaça torna-o orador; faz frio? toma-se uma talagada de cachaça e esquenta-se; faz calor? toma-se um golinho de cachaça e refresca-se...
- Por causa da popularidade da cachaça os seus apelidos são numerosos e pitorescos:
branquinha, mata-bicho, tira-teima, malfadada, desgraçada, para-ti, abrideira, água bruta, água-de-briga, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, bagaceira, baronesa, bicha, bico, branca, brasa, brasileira, cândida, caiana, cana, caninha, canjica, catuta, caxaramba, caxiri, cobreiro, corta-bainha, camulaia, dindinha, dengosa, desmancha-samba, dona branca, elixir, engasga-gato, espírito, esquenta-por-dentro, filha-de-senhor-de-engenho, fruta, gás, girgolina, gororoba, gramática, homeopatia, imaculada, já-começa, jerebita, jinjibirra, jura, legume, malunga, mamãe-de-luanda, mamãe-de-aruanda, mamãe-sacode, marafa, maria-branca, meu-consolo, moça-branca, patrícia, perigosa, pinga, prego, purinha, rama, remédio, restilo, samba, sete-virtudes, sinhazinha, sumo-de-cana, suor-de-alambique, tafiá, teimosa, tiquira, tome-juízo etc. etc. Note-se que estes apelidos da cachaça são regionais, pois em cada região do Brasil tem o seu pitoresco em ser apelidada pelos seus bebedores.
Dicas para degustar uma cachaça
Degustar cachaça é uma arte que nem todos sabem e que precisa ser exercitada. Mesmo não sendo perito, é fácil saber se uma cachaça é boa ou ruim. Há algumas dicas para isso. Mesmo que não se goste de beber, pelo menos não se erra na hora de presentear os amigos. Sempre, antes de tomar o destilado, é preciso examiná-lo.
- A cachaça pode ser branca ou dourada, o que indica que a bebida foi envelhecida em um barril de madeira. Há ainda as que têm um tom amarelo mais escuro, provavelmente pelo uso de melado ou caramelo para a alteração do sabor.
- A presença de ciscos - substâncias decantadas no fundo da garrafa ou insetos - é mau sinal. A higiene em todo o processo é determinante na qualidade final do produto.
- A formação de espuma na parte de cima, quando sacudida vigorosamente, é também um bom método para avaliar a cachaça ainda dentro da garrafa. Essa espuma deverá se desfazer com uma certa rapidez, dando lugar a um "rosário" de contas graúdas, que desaparece em pouco mais de 10 segundos. No restante da bebida também formar-se-ão pequenas bolhas, em grande quantidade, desaparecendo nesse mesmo tempo, indicando boa graduação alcoólica e boa destilação.
- Recomenda-se, para degustação, um cálice branco, liso e de boca larga. Uma porção da bebida deve ficar agarrada nas paredes do cálice, escorrendo mais devagar, indicando a oleosidade do líquido. Isso é sinal de cachaça bem encorpada.
- Ainda antes de beber, é preciso sentir o buquê da pinga, cheirando profundamente e sentindo um aroma agradável. A exalação não pode arder nos olhos.
- A cachaça deve ficar por alguns segundos na boca. Uma boa cachaça apresenta quatro sabores - adocicado, ácido, amargo e salgado - mais ou menos acentuados, dependendo da marca.
- E muito importante: a cachaça não pode queimar profundamente mas sim de uma forma agradável.
- Dor de cabeça e vômitos também não fazem parte dos efeitos do dia seguinte. Claro, por se tratar de uma bebida forte, o excesso pode causar mal estar, mas nada de ressacas terríveis.
Quem prova, aprova o sabor da cachaça
Caipirinha populariza a cachaça e se transforma em culto nos países da Europa, Ásia e Estados Unidos.
- Além do sabor e aroma, a cachaça possui uma enorme versatilidade. Pode ser degustada pura, on the rocks ou em drinks com as mais variadas frutas. Entre os principais coquetéis destaca-se a famosa caipirinha.
- Presença obrigatória em toda festa brasileira, o drink impressiona pela simplicidade da fórmula: um limão cortado em rodelas, pressionado por um socador de madeira dentro de um copo com duas doses de cachaça, duas colheres de açúcar e gelo picado.
- Tão singela quanto deliciosa, a bebida já conquistou adeptos em todo o mundo. Um fenômeno de simplicidade e requinte, a caipirinha virou sinônimo de alegria e espontaneidade do povo brasileiro. Provar a bebida é como sentir o gosto do Brasil.
- Diferente dos outros destilados, a suavidade e refrescância da mistura agradam inclusive ao público feminino. O drink é considerado fashion, requintado e é aprovado pela maioria das mulheres que freqüentam bares e restaurantes pelo mundo inteiro.
- Também entre especialistas a caipirinha conquista admiradores. Em 1998, a Associação Internacional de Barmen a incluiu entre as sete maravilhas da coquetelaria mundial.
- No último ano do milênio, a revista americana In Style a elegeu a "bebida mais quente do século".
- A caipirinha é um sucesso inegável, mas não se pode esquecer que reações positivas ocorrem também quando os estrangeiros experimentam as batidas de frutas tropicais ou, é claro, a cachaça pura, que pode ser também envelhecida.
- Prova de que o arsenal à disposição dos fabricantes para conquistar o mercado externo é diversificado.
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